O que é a Terapia de Aceitação e Compromisso
- Gabriel Silva
- 25 de abr. de 2023
- 6 min de leitura
Atualizado: 28 de abr. de 2023
Para quem nunca fez terapia ela pode ser um processo um pouco misterioso. “O que se passa naquela sala? Como que uma conversa ajuda alguém a lidar com suas dificuldades ou curar os seus transtornos?”, alguns devem se perguntar. E a resposta vai depender de diversos fatores: do estilo e ética de trabalho do profissional, da relação em constante construção entre psicoterapeuta e cliente, das demandas sendo trabalhadas, das habilidades do terapeuta e cliente, etc. Esses fatores, mesmo conhecidos, não são estáticos, afinal se trata de dois seres humanos interagindo e por isso sempre haverá espaço para variabilidade. Outro fator, do qual falarei aqui, diz respeito a terapia sendo aplicada. Existem diversas psicoterapias diferentes e diversas teorias que as fundamentam, algumas apresentando mais evidências do que outras, seja no desenvolvimento de suas ciências básicas, seja na aplicação clínica.

O meu trabalho é guiado por desenvolvimentos teóricos na Análise do Comportamento, assunto para outra publicação, e a abordagem de terapia que uso se chama Terapia de Aceitação e Compromisso. A terapia é um processo que requer um investimento não apenas financeiro, mas do nosso recurso mais valioso, o tempo, e por isso eu acho justo que aqueles interessados nesse processo tenham conhecimento, mesmo que superficial (pois o conhecimento profundo apenas a experiência pode dar) de como esse trabalho é feito.
Nossos sentimentos e pensamentos, inclusive aqueles que nos fazem sofrer, são produtos da nossa própria história ou de acontecimentos presentes.
A terapia de aceitação e compromisso parte de uma premissa incômoda, mas que, no fundo, todos nós sabemos que é verdade: o sofrimento é natural ao ser humano. Eu ainda não tive a oportunidade de conhecer uma pessoa imune a essa realidade, você já? Nós podemos investigar diversos povos e culturas, pelo espaço e pelo tempo, e constataremos que o sofrimento está presente. Perceber isso pode ser até desesperançoso, pois o sofrimento é algo que leva muitas pessoas para a terapia com a intenção de se livrar dele. Mas se ele é algo natural, então o que pode ser feito? A terapia de aceitação e compromisso (a partir de agora vou me referir a ela pela sua sigla, ACT, do inglês acceptance and commitment therapy) promove a ideia de que o problema não é o sofrimento em si, mas como reagimos a ele. Falarei um pouco mais sobre isso, mas antes eu acho importante falar um pouco mais sobre a naturalidade do sofrimento.
Nossos sentimentos e pensamentos, inclusive aqueles que nos fazem sofrer, são produtos da nossa própria história ou de acontecimentos presentes. Nossa história, por mais incômoda que ela possa ser, não é algo do qual podemos nos livrar. Gostando ou não, carregamos ela conosco. Não é possível pegar aquele aspecto desagradável e todos os pensamentos, sentimentos e sensações associados a ele e jogá-los fora. Se fosse, ninguém buscaria a terapia. Mas mesmo se fosse possível, ainda assim correríamos um risco que também precisaria ser considerado antes de agir para se livrar daquele pedaço da nossa história: perderíamos também as lições aprendidas. Não tenho dúvida de que existem sofrimentos que são injustamente desproporcionais à lição aprendida, porém, a “lição” está intrinsecamente ligada às reações emocionais que temos. Nossas emoções são funcionais, isto é, possuem funções, mesmo quando desagradáveis. A raiva, tristeza, nojo, medo (obrigado, Divertidamente), assim como a alegria e a surpresa, possuem funções e nos ajudam (nem sempre da melhor forma) a nos adaptarmos ao nosso ambiente. Se livrar dos efeitos e consequências dessas emoções seria equivalente a nos livrarmos da nossa capacidade de adaptação. Se quisermos nos adaptar, precisamos sentir. E ao sentir, o sofrimento será sempre uma possibilidade.

“Se o problema não é o sofrimento, mas como reajo a ele, então como é a forma certa de reagir?” Eu não acho justo nem útil usar rótulos como “certo” e “errado” ao falar de emoções, pois estas são reflexos. Eu não estou certo nem errado quando minha pupila contrai ao ser atingida por um feixe de luz, ou minha perna levanta com a ativação do reflexo patelar. Por que estaria errado ao sentir alguma emoção que surgiu em mim, independente da minha vontade? Em vez disso, acho melhor falar sobre formas de reagir que nos aproximam ou nos afastam daquilo que desejamos construir.
O objetivo da ACT é auxiliar no desenvolvimento da flexibilidade psicológica e com isso ajudar o indivíduo a identificar o que realmente dá sentido para sua vida e o que precisa ser feito para agir em função desse sentido, não em função de evitar a sua própria experiência interna.
Um conceito muito importante na ACT é o de flexibilidade psicológica. Resumidamente, ela fala sobre uma capacidade de estar aberto para suas próprias experiências (mesmo quando desagradáveis) e agir no momento presente em função dos seus valores, ou seja, daquilo que realmente importa para você. Ser flexível é algo que precisa ser aprendido e feito de forma consciente e intencional. O seu oposto, a inflexibilidade (ou rigidez) psicológica, inclui um apego excessivo ou esquiva das suas experiências internas (pensamentos, sentimentos, sensações), dificuldade de direcionar sua atenção para o momento presente (ruminar sobre o passado ou ansiar/fantasiar com o futuro) e ações não valorizadas, guiadas por impulsividade, reatividade ou falta de ação. Diferente da flexibilidade, a rigidez não requer treinamento, mas a maneira que evoluímos como seres humanos nos leva a desenvolvermos essa rigidez. E essa rigidez contribui para diversos dos nossos problemas.
Vou trazer uma breve história pessoal para contextualizar um pouco. Eu sempre fui uma pessoa bem curiosa, sempre quis entender por que as coisas são como são e como elas funcionam. Esse é um dos motivos de eu ter escolhido estudar psicologia. Crescendo na igreja, porém, essa curiosidade sempre foi mal vista. Ela precisava ser limitada em relação a até que ponto eu posso ir ou em quais lugares eu posso buscar respostas. Chegou a um ponto que sentir dúvida, algo necessário para aprendizagem e desenvolvimento, se tornou algo assustador, pois a dúvida podia ser vista como falta de fé. Eu acabei aprendendo a ignorar minha curiosidade natural (como acontece com muitas crianças, dentro e fora da igreja), pois o ponto a partir do qual ela poderia ser explorada, a dúvida, se tornou algo a ser silenciado. Eu me apeguei a esse sentimento de dúvida, não para solucioná-la, mas silenciá-la. Isso causou uma boa dose de conflito interno, pois dúvidas são inevitáveis. Como silenciar algo que pode, e irá, surgir a qualquer momento, diversas vezes, até o fim da minha vida? Eu acabei desenvolvendo uma relação rígida com os pensamentos e sentimentos relacionados a dúvida. Ela se tornou algo a evitar a qualquer custo.
Isso me fez mal por dois motivos, que já citei anteriormente: dúvidas são inevitáveis, elas vão aparecer em diversos momentos na nossa vida e fugir do inevitável é exaustivo, te priva de tempo e energia para ir em direção àquilo que é importante para você. Mas, além disso, eu sempre fui muito curioso. Silenciar a dúvida era silenciar uma parte de mim que ansiava por saber mais.
Quando eu comecei a faculdade eu fui exposto a espaços e relações em que a curiosidade e o pensamento crítico eram reforçados, e pude aprender um pouco mais sobre metodologia científica. De início, foi tudo ainda mais assustador, mas o valor reforçador de buscar novas informações foi gradualmente se elevando, na mesma medida que o teor aversivo da dúvida ia diminuindo. Isso eventualmente resultou na minha desconversão religiosa e na mudança da minha visão de mundo, de uma dualista (natural/sobrenatural) para uma visão monista e naturalista. Isso não aconteceu por influência de forças sobrenaturais, mas por eu finalmente encontrar um espaço em que minha curiosidade pudesse ser abraçada e eu pudesse agir de forma mais autêntica do que jamais tinha agido nos espaços relacionados a fé cristã.
Não estou dizendo que a ACT vai levar pessoas a abandonarem suas crenças, religiosas ou seculares. O objetivo da ACT é auxiliar no desenvolvimento da flexibilidade psicológica e com isso ajudar o indivíduo a identificar o que realmente dá sentido para sua vida e o que precisa ser feito para agir em função desse sentido, não em função de evitar a sua própria experiência interna. Na minha jornada, me atentar ao que era significativo para mim me levou a dúvida, ao ceticismo e a exploração, coisas que eu sempre soube serem importantes para mim, mas silenciava. Vez ou outra eu sinto dúvidas intensas que causam um grande desconforto em mim, mas eu aprendi que não devo me apegar ao conceito de dúvida como algo que preciso me livrar, mesmo quando desconfortável, pois quando faço isso eu corro o risco de me livrar também daquilo que é importante para mim. Minha relação com o meu desconforto precisa ser uma de abertura e acolhimento, para que eu não corra o risco de me afastar do que importa.
A ACT, em resumo (ênfase em resumo, pois é uma abordagem com uma fundamentação teórica muito rica que pode ser aplicada a diversos contextos, pois foca não em transtornos específicos, mas em processos comuns da experiência humana), busca desenvolver a nossa capacidade de nos atentarmos à nossa própria rigidez (e seremos rígidos em alguns momentos, é inevitável) e direcionarmos nossos esforços para sermos mais flexíveis, isto é, abertos as nossas próprias experiências, direcionados pelos nossos valores e agindo no único momento em que podemos exercer alguma influência, o agora.
Fontes:
HARRIS, R.; HAYES, S. C. ACT Made Simple: An Easy-To-Read Primer on Acceptance and Commitment Therapy. 2º edição ed. [s.l.] New Harbinger Publications, 2019.
HAYES, S. C.; STROSAHL, K. D.; WILSON, K. G. Acceptance and Commitment Therapy, Second Edition: The Process and Practice of Mindful Change. 2º edição ed. New York: The Guilford Press, 2011.
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